Lord Jim, de Joseph Conrad – 2ª parte: traduções comparadas

O Clássicos Traduzidos acabou de nascer e ainda está aprendendo a dar os primeiros passos. Este é o primeiro post de comparação entre traduções e certamente será um primeiro passo meio trôpego. Passei um bom tempo tentando encontrar a maneira mais adequada de comparar as traduções e por fim preferi deixar os livros falarem por si mesmos, fazendo apenas alguns comentários pontuais. Minha esperança é que eu vá a cada postagem aprendendo como se faz e que as comparações fiquem cada vez melhores (comentários, críticas e sugestões são muito bem-vindos!).

Continuo então com Lord Jim, de Joseph Conrad. Se você já leu o post Lord Jim – 1ª Parte, já sabe que na tradução de Mário Quintana, publicada pela primeira vez em 1939 pela Editora Globo de Porto Alegre e reeditada inúmeras vezes por várias outras editoras, muitos trechos do livro foram omitidos. Apesar disso, pela qualidade do texto de Quintana, vale a pena incluí-lo aqui e compará-lo com as outras duas traduções, que são a de Marcos Santarrita, publicada em 1982 pela Editora Francisco Alves, e a de Julieta Cupertino, que saiu em 2002 pela Editora Revan. Circula também uma versão atribuída a Carmen Lia Lomônaco, que se trata de um plágio da tradução de Quintana, já denunciado no blog não gosto de plágio.

 

Capítulo I

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Texto original
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Tradução Mário Quintana
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Tradução Marcos Santarrita
Tradução Julieta Cupertino
Tradução Julieta Cupertino
  • Já aqui se pode perceber algo que se manterá ao longo dos capítulos: enquanto que Santarrita segue de perto o texto original, procurando não modificar as construções das frases e preferindo traduzir de modo mais literal, utilizando palavras cognatas quando possível, Quintana é menos rígido e privilegia construções mais sonoras, mais bonitas (uma óbvia exceção é a primeira frase, em que Quintana, ao contrário dos outros dois, não converte a medida da altura de Jim para o sistema métrico). Julieta Cupertino também não se prende muito ao original, mas a sua escrita é inferior à dos outros dois.
  • Quintana traduz dogged self assertion para displicente altivez. Embora altivez não esteja incorreto, acredito que, pelo contexto da história, auto-afirmação é a tradução mais adequada de self-assertion. Já a tradução de dogged para displicente eu não consigo entender, pois dogged significa obstinado, tenaz, persistente. É só tentar imaginar uma pessoa que exiba uma altivez displicente e outra que busca obstinadamente se auto-afirmar para perceber a diferença.

 

Capítulo VII

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Texto original
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Tradução Mário Quintana

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Tradução Marcos Santarrita
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Tradução Julieta Cupertino
  • Confounded imagination foi traduzido incorretamente para mente conturbada, por Cupertino; Santarrita chegou mais perto, com imaginação confusa, mas acredito que a melhor tradução é a de Quintana: maldita imaginação. Marlow está nesse momento mencionando a profusa atividade imaginativa de Jim, a que ele se refere também mais à frente: “I wonder what his exuberant imagination would have made of Walpole islet…” (cap. XVI); “There was imagination in that hard skull of his…” (cap. XXI). Não se trata, portanto, de uma mente conturbada ou de uma imaginação confusa, mas da imaginação natural de Jim, que causou sua paralisia naquele momento e à qual Marlow dirige uma imprecação (confounded).
  • Neste trecho (“all the appaling incidents of a disaster at sea he had ever heard of”) fica clara a superioridade da escrita de Mário Quintana em relação aos outros dois tradutores:
    • Quintana: “todos os incidentes atrozes que pode sugerir a idéia de um sinistro em alto mar.”
    • Santarrita: “todos os incidentes apavorantes de uma tragédia do mar que já ouvira contar.”
    • Cupertino: “e tudo o que acontece de apavorante num desastre no mar que seria maior do que tudo de que ele já ouvira falar.”
  • A expressão strive with, presente na última frase desse excerto (“Those striving with unreasonable forces…”), pode gerar dúvida, já que pode significar “lutar contra” ou “lutar em posse de”. É por isso que, entendendo ser correta a segunda opção, Julieta Cupertino traduziu o trecho para “Aqueles que vêm a depender de um esforço sobre-humano…”. Parece-me, no entanto, que estão corretos os outros dois tradutores, que utilizaram o primeiro significado da expressão.

 

Conclusão

Para não alongar muito este post, deixo vocês com esses trechos, que acredito serem suficientes para dar uma idéia da qualidade das traduções em questão. Não me parece difícil perceber que a tradução de Mário Quintana é a mais bem escrita e que a de Marcos Santarrita é superior à de Julieta Cupertino. Devido aos cortes já mencionados na versão de Quintana (se não leu ainda, leia: Lord Jim – 1ª Parte), a minha preferência fica com a tradução de Marcos Santarrita.

13 comentários em “Lord Jim, de Joseph Conrad – 2ª parte: traduções comparadas

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  1. Luiz Felipe, excelente a sua iniciativa! Seu trabalho é muito meticuloso, haja fôlego para tocá-lo. Aproveitando, você conhece algum programa de computador que auxilie em traduções de livros. Estou iniciando como tradutor amador e até o momento não encontrei nenhuma ferramenta do tipo.

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  2. Parabéns pelo trabalho, amigo! Garanto que muitas pessoas também ficam em dúvida no momento de escolher uma boa e fiel tradução dos clássicos. Seu esforço é muito útil e vem bem a calhar, continue assim. Espero ansiosamente sua próxima análise. Abraço!

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  3. Luis Felipe: bom trabalho. Mas, creio que esse trabalho de tradução e linguagem que você está elogiando no Quintana não é dele. Você diz haver superioridade no trecho “todos os incidentes atrozes que pode sugerir a idéia de um sinistro em alto mar.”, que traduz “all the appaling incidents of a disaster at sea he had ever heard of” e que é bem diferente de, por exemplo, “todos os incidentes apavorantes de uma tragédia do mar que já ouvira contar.”, segundo a tradução de Cupertino. Mas veja a tradução ferancesa de 1924, feita por Philippe Neel: “tous les incidents atroces que peut suggérer l’idée d’un désastre en mer”. Tenho a impressão de que toda essa tradução atribuída a Quintana não é feita diretamente do inglês, mas do francês.
    Irmão, veja só, não estou criticando on seu trabalho, mas só quero ajudar. Um toque: a tradução francesa tem de graça na internet. Tem, creio, na BEQ, Bibliotèque Electronique du Québec.

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    1. Gustavo, você tem razão. Eu sempre desconfiei que o Quintana tinha traduzido do francês, e inclusive já tinha baixado essa tradução para ver se descobria nela a razão dos cortes na dele, mas por algum motivo não cheguei a compará-las minuciosamente (apenas procurei e não achei os cortes). Fiz isso agora com alguns trechos e confirmei a minha desconfiança. Realmente, muito da fluidez e da beleza do texto dele já estavam lá, no francês. Muito obrigado!

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  4. O pior é que hoje em dia só se encontra a tradução mutilada do Mário Quintana por aí (como apontou o Gustavo Adolfo Ramos Mello Neto acima, tomada mais do francês de Philippe Neel do que do original em inglês, para ajudar…). É uma obra que precisa ser reeditada logo, em nova tradução ou na de Marcos Santarrita mesmo.

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